por Dalmo Oliveira
fotos Fabiana Veloso
Joice (de pé) trouxe entusiasmo do Ministério da Saúde
Com a presença da coordenadora da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde, a pediatra Joice Aragão de Jesus, a Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba realizou na última terça-feira, 17, no auditório do Hotel Xênius, na praia do Cabo Branco, em João Pessoa, o II Seminário de Avaliação em Triagem Neonatal, com a finalidade de anunciar a implantação da segunda fase do teste do pezinho, exame obrigatório para recém-nascidos até o quinto dia de vida, que detecta doenças hereditárias e congênitas como anemia falciforme, hipotireoidismo e fenilcetonúria. Estima-se que a frequência da doença falciforme na população paraibana esteja na proporcionalidade de um para cada grupo de 1500 nascidos vivos no estado. “Nossa prioridade agora é o Nordeste na implantação dessa fase da triagem neonatal”, enfatizou Aragão, durante o evento que reuniu pessoas responsáveis pela coleta de sangue dos bebês recém-nascidos em cerca de 163 postos de coleta localizados em vários municípios do estado. A nova gerente executiva de Ações Programáticas e Estratégicas, da Secretaria, Juliana Soares de Araújo, não sabe ainda precisar quando a testagem da fase II poderá entrar em vigor, nem qual o investimento total que a Paraíba precisará fazer para que o novo teste do pezinho seja consolidado. Para se ter uma idéia da defasagem do estado nesse campo, hoje consegue-se uma cobertura de testagem de apenas 77% entre as cerca de 4 mil crianças nascidas vivas a cada mês na Paraíba. “Só poderemos avançar para a segunda fase quando conseguirmos a cobertura de 90% na triagem da primeira fase”, diz Juliana. O processo de triagem vai alcançar agora também as vantagens da informatização, já que na Paraíba tudo ainda está sendo feito em formulários de papel. Durante o evento, o pessoal da informática da Secretaria apresentou as interfaces do novo software desenvolvido para dar suporte ao cadastramento e consolidação dos dados a serem enviados pelos postos coletores. Segundo José Francimar Veloso, diretor administrativo do Laboratório Central (Lacen), a Secretaria já adquiriu os servidores e equipamentos onde os dados passarão a ser armazenados. Depois de implantado, o sistema estará disponível também através da internet para usuários credenciados. “O Lacen dispõe hoje de sete bioquímicos responsáveis pelos laudos dos exames. Numa etapa posterior a Secretaria irá capacitar os enfermeiros e outros profissionais que atuam diretamente nos postos de coleta” diz Veloso. Já a médica Joacilda da Conceição Nunes, coordenadora do Departamento de Pediatria e Genética da UFPB, avisa que o teste do pezinho não deve ser feito antes dos primeiros três dias de vida, quando o bebê ainda estiver na maternidade. “O ideal é que a coleta do sangue dos recém-nascidos aconteça entre o terceiro e o quinto dia de nascimento”, explica a professora universitária. Isso exige que a mãe se comprometa com a equipe de saúde que acompanhou o parto, retornando para coletar o sangue do bebê até o quinto dia de vida. Ela diz que o teste do pezinho foi introduzido no Brasil na década de 70 e que o exame de eletroforese que detecta a DF tem um custo hoje de menos de R$ 4,00.
Dalmo: olhar do controle social
HEMORREDE
Joice Aragão veio a João Pessoa acompanhada de Silma Melo, que também compõe a equipe do ministério que cuida apenas de DF. No período da tarde elas fizeram, juntamente com Juliana Soares, Joacilda Nunes e Gittana Ivanoska, da secretaria municipal de Saúde João Pessoa, uma visita informal à diretora do Hemocentro da Paraíba, Patrícia Azevedo, que acabou de assumir a direção do órgão. Patrícia disse que pretende realizar uma ampla reforma no prédio do Hemocentro, melhorando as condições de atendimento aos usuários e de trabalho de sua equipe. Ela foi assessorada pela hematologista Sandra Cibele, que revelou que um dos grandes desafios da nova gestão vai ser implementar a pesquisa de hemoglobinopatias em todas as coletas de sangue e derivados dos doadores cadastrados no Hemocentro. “As pessoas com traço falciforme podem doar sangue para pessoas que não tenham a doença, mas hoje nós não sabemos quais os doadores que possuem o traço falciforme”, diz Cibele. “Na prática, o que acontece é que uma pessoa com a doença falciforme que precise de sangue pode, eventualmente, estar recebendo mais hemoglobina do tipo S e automaticamente, piorando o quadro clínico. Não há um controle de qualidade na triagem dos doadores. Isso é problemático no caso de quem possui a doença falciforme, podendo ocasionar óbitos”, diz Dalmo Oliveira, coordenador da Associação Paraibana de Portadores de Anemias Hereditárias (ASPPAH), que atuou no campo do controle social no referido evento.
MAIS INFORMAÇÕES
A portaria que instituiu o programa de atenção é de junho de 2001. No Brasil nascem 3500 crianças por ano com a doença falciforme. Joice diz que a implantação da segunda fase é uma “mudança radical”, que exige “atenção especial”. “Os cuidados desde o nascimento é que vão diminuir o impacto da doença na vida das pessoas, evitando-se, ao máximo, sequelas desnecessárias e fazendo aumentar a longevidade das crianças com a doença falciforme”, diz a pediatra e também professora da UFRJ. Segundo Joice, os próximos passos da Política Nacional será na capacitação de odontólogos, já que os cuidados bucais são essenciais no combate às infecções. “Estamos também finalizando o novo protocolo para o uso da Hidroxiuréia e investindo na aquisição de aparelho de Dopller para serem usados pelos estados nos exames transcranianos de pessoas com a doença falciforme, principalmente na faixa etária entre os três e 17 anos”, detalha a médica, que ainda considera alta a taxa me mortalidade brasileira causada pela DF, que hoje é de 16 para grupos de mil crianças nascidas vivas. Joice revelou ainda que etá sendo preparado para os dias 4, 5 e 6 de outubro, em Belo Horizonte (MG), o terceiro Simpósio Internacional de Hemoglobinopatias, que esse ano deverá focar a discussão da DF na atenção básica, na pesquisa e no controle social. “Estamos apostando todas as fichas para garantir a presença do presidente Lula na abertura deste evento, como reconhecimento do Governo Federal nas ações que implementamos para melhor lidarmos com esse que é o maior problema brasileiro de saúde pública, por transmissão hereditária”, diz a especialista do Ministério da Saúde. No dia 4 de junho está prevista a realização de um treinamento em Camaçari (BA) destinado exclusivamente à atenção básica, com apoio do Ministério da Saúde, do Governo da Bahia e da prefeitura local. Para Joice, o cuidado especial com as pessoas com a doença falciforme deve também ser encarado como aquele resgate da imensa dívida social da nação brasileira com os afrodescendentes. “É uma questão de construção de cidadania”, diz. “Até 2003 a doença falciforme não estava incluída no rool do Ministério. Foi quando a atenção saiu da Anvisa e voltou ao Ministério”, lembra de Jesus. Para ela o recorte étnico/racial é indispensável. “Devemos ter um olhar especial para os descendentes dos quase 5 milhões de desraizados trazidos como escravizados da África”, defende a médica.
HISTÓRICO
No próximo ano o mundo comemora 100 anos do primeiro diagnóstico de doença falciforme, ocorrido em 1910, nos EUA. No Brasil já são 35 anos de reivindicação por políticas públicas para esse tipo de hemoglobinopatia. Em 1985 surgem as primeiras associações de doentes e familiares. Em 1995 ocorre a Marcha Zumbi dos movimentos negros brasileiros até Brasília. Em 1996 foi criado o primeiro grupo de trabalho para elaboração de uma política nacional para DF. Em 98 inicia-se o processo de triagem neonatal para DF, e no Rio de Janeiro em seguida, em 2000. Em 2001 acontece a fundação da federação das associações de pessoas com DF (FENAFAL). Hoje o Brasil só tem 15 estados executando a triagem neonatal. Em Pernambuco, a prevalência de pessoas com o traço falciforme (sem a sintomatologia da doença) é de um para cada 23 nascidos vivos. No Rio é de um para 21 e na Bahia, de um para cada 17. Estima-se que na Nigéria vivem hoje 86 mil pessoas com DF. Na África nascem 268 mil pessoas com DF a cada ano.
OLHAR DO CONTROLE SOCIAL
Nossa avaliação crítica aponta uma preocupação séria pelo atraso na implantação das políticas públicas para a pessoa com a doença falciforme na Paraíba. “A triagem dos bebês é uma medida primária para saber qual a prevalência da DF e do seu traço na nossa população. A mortalidade maior acontece no primeiro ano de vida das crianças. Esse cuidado básico é indispensável”, diz Oliveira.
“O Ministério diz que no ano passado foram devolvidos ao Tesouro Nacional cerca de R$ 19 milhões não captados pelos estados e pelas organizações da sociedade. Na prefeitura de João Pessoa a equipe está sensibilizada, mas ainda será preciso implementar a atenção especial na rede municipal. Em paralelo, é preciso interiorizar a discussão sobre a doença falciforme”, comenta o ativista.
Dalmo diz que o importante é ter sido iniciado o processo de cobrança da sociedade para os gestores de saúde. “Não podemos mais permitir que o estado se omita do cuidado com as pessoas com a doença falciforme. É um direito de nossa cidadania. Faremos um processo de co-gestão dos recursos de saúde para a falcemia”, acrescenta.
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