Em 2010 o mundo comemora, de maneira um tanto silenciosa, 100 anos de uma descoberta científica, no campo na medicina (da hematologia, para ser mais preciso), que mudou para sempre o tratamento que era dispensado a uma parcela significativa da humanidade. Estamos completando o centenário do primeiro diagnóstico da anemia falciforme.
No Brasil, onde a doença chegou juntamente com as primeiras levas de africanos escravizados nos porões dos navios negreiros (ou, quem sabe já nas caravelas do descobrimento), o centenário da descoberta deverá ser comemorado com um pouco mais de satisfação, tendo em vista que um dos registros pioneiros no mundo foi feito na Bahia, pelo médio Jessé Acioli. Estimativas do Ministério da Saúde dão conta do nascimento de quase 4 mil bebês com a doença por ano no país.
Uma campanha para os meios de comunicação e para usuários e servidores do SUS está sendo desenvolvida pelo Ministério da Saúde, com apoio institucional da Federação Nacional de Associações de Pessoas com Doenças Falciformes (FENAFAL), e deve ser lançada oficialmente no próximo dia 30 de junho, numa rede nacional de videoconferência dos SUS e também simultaneamente pela internet. Através do endereço WWW.nupad.medicina.ufmg.br.
Foram confeccionadas peças para comunicação de massa como outdoors, busdoors, cartazes, MUBs, folders, camisetas e spots para rádio e TV. A idéia dos idealizadores da campanha é bombardear a sociedade com informações sobre a doença falciforme porque ainda existe uma grande invisibilidade desse grave problema de saúde pública no Brasil.
“Doença falciforme. O diagnóstico precoce garante qualidade de vida e mais expectativa de vida ao seu bebê. Faça o teste do pezinho logo na primeira semana de vida”, diz o texto em uma das peças da campanha, que vai usar pessoas portadoras da doença como modelos.
Para os criadores da campanha, as peças comunicacionais visam despertar a população sobre a incidência da doença falciforme nas diversas regiões do país e estimular o autocuidado das pessoas com doença falciforme. Segundo os dirigentes da FENAFAL, a pretensão é também sensibilizar a sociedade em geral, as autoridades e os profissionais de saúde para a atenção especial às pessoas com doença falciforme. Eles pretendem também favorecer o aumento na auto-estima das pessoas com doença falciforme. “A campanha pode ainda contribuir no processo social de reparação da nação brasileira aos afrodescendentes”, diz o jornalista Dalmo Oliveira, diretor de Comunicação Social da FENAFAL.
Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2008 e 2009 foram investidos cerca de R$ 7 milhões e meio com a doença falciforme. Para esse ano estão previstos R$ 8 milhões e meio, sem levar em conta ações que envolvem hematologia como um todo, que acabam também beneficiando o tratamento da doença falciforme.
“Há 100 anos foi conhecido o primeiro relato científico da doença falciforme e há 05 anos o Ministério da Saúde, atendendo há uma antiga reivindicação do movimento de homens e mulheres negras do Brasil, iniciou um trabalho de implementação das ações da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme. Esse fato tem importância relevante por a ser a doença falciforme uma doença bastante estudada com avanços que propiciam longevidade e qualidade de vida aos que dela padecem. A vida média das pessoas não tratadas é de 08 anos enquanto que quando tratadas atualmente a vida média está em torno dos 48 anos. As novas descobertas e a implementação dessas inovações na assistência prestada no SUS deverá elevar ainda mais a sobrevida dessas pessoas, trazendo qualidade de vida e inclusão social, resgatando assim com esses brasileiros e brasileiras afrodescentes uma grande dívida social”, comenta a médica pediatra e coordenadora do Programa Nacional de Doença Falciforme do Ministério da Saúde, Joice Aragão.
.
Controle social
A Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL), constituída em 27 de outubro de 2001, é uma associação civil filantrópica, para fins não econômicos, de caráter assistencial, cultural e educacional. Sua missão é apoiar o fortalecimento e organização das associações locais, contribuindo com o fortalecimento e estimulo à formação de políticas públicas e sociais para a redução da morbimortalidade das pessoas com doenças falciformes no Brasil. “Hoje são mais de 30 associações espalhadas por quase todos os estados brasileiros e em todas as regiões. Nosso grande desafio atual é fazer com que as associações sejam dirigidas pelas pessoas que possuem a doença falciforme, já que nossa organização ainda depende muito dos pais e parentes de portadores”, diz Oliveira.
Ele diz que a FENAFAL possui representação nos principais fóruns de controle social ligados à questão da saúde da população negra no Brasil, como o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. “Nos estados e municípios muitos de nossos representantes atuam nos conselhos locais de saúde, pressionando os poderes executivos a adotarem políticas públicas especiais para as pessoas com a doença falciforme”, acrescenta.
Sintomas
A doença falciforme foi incluída nas ações da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra, e tem como subsídio a Portaria GM/MS Nº 1391, de 16 de agosto de 2005, que define as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
As pessoas com doença falciforme apresentam anemia crônica e episódios de dor severa, decorrentes do processo de vaso oclusão (obstrução) causado pela forma de foice que as hemácias assumem, em situações de crise, impedindo que elas circulem adequadamente podendo haver interrupção de fluxo sanguíneo e morte de tecidos e órgãos. A vulnerabilidade a infecções, o seqüestro esplênico, a síndrome toráxica aguda, o priapismo são algumas das intercorrências freqüentes nessas pessoas.
Abaixo tabela com proporção de nascidos com doença falciforme nos estados que já realizam fase II do Programa de Triagem Neonatal:
Estados | Proporção de Nascidos Vivos/Ano |
Bahia | 1: 650 |
Rio de Janeiro | 1: 1200 |
Pernambuco, Maranhão, Minas Gerais e Goiás | 1: 1400 |
Espírito Santo | 1: 1800 |
Rondônia | 1:2550 |
Acre | 1:3500 |
São Paulo | 1:4000 |
Mato Grosso do Sul | 1: 8360 |
Rio Grande do Sul | 1: 11000 |
Santa Catarina e Paraná | 1: 13500 |
Proporção de nascidos com Traço Falciforme nos Estados que já estão na fase II do Programa de Triagem Neonatal :
Estados | Proporção de Nascidos Vivos/Ano |
Bahia | 1:17 |
Rio de Janeiro | 1:21 |
Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão | 1:23 |
Espírito Santo, Goiás | 1:25 |
São Paulo e Rondônia | 1:35 |
Acre | 1:40 |
Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina | 1:65 |
Mato Grosso do Sul | 1:70 |
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////