CARTA AO POVO BRASILEIRO

27 de Maio de 2016

CARTA AO POVO BRASILEIRO

Pausa democrática ameaça saúde da gente

 

A Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL), que congrega, em todo o Território Nacional, quase 50 entidades, de base estadual e municipal, pressionada pela atual conjuntura social-político-institucional brasileira, vem registrar, publicamente, seus anseios, preocupações, indignação e repúdio, diante dos últimos acontecimentos e do cenário que se avizinha sobre a vida do País.

 

Constituída oficialmente em 27 de outubro de 2001, a FENAFAL é uma associação civil filantrópica, para fins não-econômicos, de controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), com  vocação assistencial, cultural e educacional. Sua missão é apoiar o fortalecimento e a auto-organização das associações locais, contribuindo com o fortalecimento e estímulo à formação de políticas públicas e sociais, visando, principalmente, a redução da morbimortalidade das pessoas com doenças falciformes no Brasil.

 

Na última década, por meio de uma luta intensa e mobilização permanente, nosso movimento social conseguiu contribuir, significativamente, para que o Governo do Brasil adotasse políticas públicas no âmbito da Saúde Pública, que, além de melhorarem a Atenção em Saúde para esse contingente (cerca de 300 mil brasileiros vivendo com doenças falciformes), minimizaram efetivamente os efeitos nefastos do racismo institucional perpetrado por agentes, nas três esferas da governança pública e nos poderes Executivo e Legislativo, principalmente.

 

A saúde da população negra brasileira passou a ser enxergada com outros olhos nesse período. Aliás, passou a ser simplesmente enxergada pelos gestores do SUS. E a paradigmática doença falciforme acabou se transformando, sem dúvidas, no carro-chefe para as políticas de saúde desse contingente populacional, que hoje compõe quase 60% da população brasileira, sendo a mais importante doença genética e hereditária que ocorre em nosso território.

 

Trata-se de uma hemoglobinopatia cuja indexação científica ocorreu ainda no século 19, e mesmo assim permanecia negligenciada pelas autoridades médicas e sanitaristas brasileiras. Uma patologia que aportou em terra brasilis nas veias e na genética de mulheres e de homens escravizados em África, trazidos para construir, à força, essa Nação. E é justamente esse componente histórico-humanitário que faz da anemia falciforme um paradigma entre todas as demais doenças da população negra, por suas características etnorraciais, por acometer, especialmente, uma população mais vulnerabilizada, pela peculiaridade da nossa miscigenação racial, entre outros fatores.

Mesmo com toda essa carga sócio-antropológica, foi somente em 16 de agosto de 2005 que a

Portaria 1.391 do Ministério da Saúde instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde, as primeiras diretrizes para uma Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme.

 

Em 2009 o Governo Federal regula, no âmbito da Assistência Farmacêutica, o uso de quelantes orais para controle da taxa de ferro no organismo das pessoas com DF. No ano seguinte, 2010, cria-se protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o uso da hidroxiuréira, um quimioterápico coadjuvante no tratamento da doença. Ainda no âmbito farmacológico, em 2011 uma nova portaria  passa a regular administração da penicilina nas unidades de Atenção Básica à Saúde. Em 2013 o Ministério da Saúde autoriza uso da hidroxiuréia em crianças com doença falciforme no SUS.

 

Foi nossa militância institucional também que conseguiu, em 2011, a adoção pela recém-criada Rede Cegonha do exame de eletroforese de hemoglobina para detecção da anemia falciforme em todas as crianças recém-nascidas nas unidades públicas de Saúde de todo o país.

 

Visando ainda a prevenção em saúde pública que a Portaria 745, de 03 de agosto de 2012, fez incluir o exame de Ecodoppler Transcraniano, o Instrumento de registro APAC e o valor tabelado no serviço ambulatorial, no âmbito do SUS e da Rede Suplementar de Saúde Pública. No ano posterior, outra Portaria estabeleceu recurso específico do Tesouro Nacional a ser disponibilizado aos Estados e Municípios para exames de Ecodoppler Transcraniano, destinados às pessoas com DF. E em 2013 ficou estabelecido protocolo de uso desse exame como procedimento ambulatorial na prevenção ambulatorial do acidente vascular cerebral e encefálico em pessoas com DF.

 

Ano passado obtivemos mais uma vitória e avanço parcial para o tratamento da doença: o Ministério da Saúde expediu Portaria que define o uso do transplante de células-tronco hematopoéticas, entre parentes, a partir da medula óssea, de sangue periférico ou de sangue de cordão umbilical, visando a cura da anemia falciforme.

 

Foram avanços significativos para apenas dez anos de lutas! Avanços que só se tornaram possíveis em decorrência de estarmos gozando de plenos direitos num regime democrático estável e em estágio de maturação. Conquistas que só foram possíveis devido à possibilidade de influirmos diretamente na gestão pública, por instrumentos de controles sociais criados pelo Ministério da Saúde, após debates intensos em conferências públicas com a participação cidadã dos nossos representantes.

 

Por isso nos preocupa, sobremaneira, o modo como o Congresso Nacional admitiu a abertura de um processo de impeachment contra a Pesidenta da República, Dilma Rousseff, sem que haja sequer uma única demonstração irrefutável de que a mesma tenha cometido qualquer crime de responsabilidade previsto na nossa Constituição Federal. Para a FENAFAL, a tentativa de derrubar a Presidenta da República configurou-se, tão somente, num golpe parlamentarístico, meramente burocrático, institucional e político-partidário.

 

Impressiona aos membros desta Federação, ademais, a cumplicidade institucionalizada do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em vez de agir como mediador inter-poderes, se associa tendenciosamente à manobra politiqueira golpista.

 

Consumado o afastamento provisório da Presidenta Dilma, é de indignação o sentimento que assola brasileiras e brasileiros que, direta ou indiretamente, convivem com o drama da doença falciforme neste País. Especialmente por causa das primeiras providências administrativas anunciadas pelo governante provisório, entre elas, a não garantia do acesso universal à Saúde.

 

Ademais, já foi aprovada em primeira votação no Senado a PEC emenda 143/2015, que pretende estender aos Estados e Municípios a famigerada DRU (Desvinculação de Receitas da União), permitindo que gestores usem livremente 25% dos valores que teriam de aplicar compulsoriamente em Saúde.

Outras ameaças ao SUS recebem o repúdio antecipado da FENAFAL, como:

  • Boicote ao programa Mais Médicos;
  • Terceirização/privatização do SUS com flexibilização das chamadas OSCs;
  • Flexibilização no controle de qualidade dos serviços dos planos de saúde privados;
  • Flexibilização para desnacionalização do Sistema de Saúde;
  • Refluxo na discussão sobre aborto com interferência religiosa;
  • Boicote à fabricação e uso da Fosfoetanolamina.

Dito isto, a FENAFAL reafirma seu compromisso com a defesa e aprimoramento do SUS. Se põe ao lado, intransigentemente, das instituições, dos cidadãos e das cidadãs que defendem as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direitos no Brasil. Afirma que a atual situação de pausa democrática por que passa nosso País só interessa a grupos autoritários e minoritários, vinculados ao grande Capital e a segmentos privilegiados da sociedade nacional. Defende o amplo e republicano direito de defesa das autoridades federais, especialmente da Presidenta Dilma Roussef, em relação a quaisquer acusações não comprovadas. A FENAFAL também se opõe frontalmente aos processos jurídico-policialescos notoriamente seletivos, perpetrados no bojo da Operação Lava a Jato e/ou similares. Repudia a ação nefasta, parcial e criminosa de parte da Imprensa e da Mídia nacional na cobertura dos recentes episódios, tema desta Carta. Por fim, defende o direito à liberdade de expressão, organização, manifestação pública e mobilização do povo brasileiro, como legítima defesa a qualquer ataque contra a democracia, à normalidade da República e à Constituição Cidadã promulgada em 1988.

O COMITÊ GESTOR