Programas especiais para doença falciforme avançam no NE

12 de Abril de 2011

Por Dalmo Oliveira*

Um evento, ocorrido no último dia 12, no Hotel Tambaú, na capital paraibana, reuniu representantes de programas de atenção integral à pessoa com doença falciforme de João Pessoa, Fortaleza, Recife e Salvador. A proposta do encontro, promovido pela Coordenação de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, é proporcionar o intercâmbio entre as equipes técnicas, divulgando dificuldades e casos de sucessos nas quatro capitais nordestinas.

Logo cedo, foi montada uma mesa de abertura, em que Claudia Veras, fez uma fala representando a Secretaria de Saúde da Paraíba. “O Estado quer apoiar cidades a implantar programas no interior”, garantiu.

Joice Aragão, do Ministério da Saúde, disse que tinha expectativa de um altograu de repercussão pela representação de cada segmento no evento. Ela lembrou que os princípios basilares do SUS são a igualdade e equidade. “O Brasil tem grande dívida social com afrodescendentes. Enquanto não resgatarmos essa dívida social não poderemos nos considerar uma nação”, ponderou a pediatra.

Mesa de abertura do evento (Foto: Stanley Talião)



Segundo Aragão, a Coordenação do Sangue do MS teve no ano passado um orçamento de cerca de R$ 420 milhões. “Acontece que 70% disso é apenas para a aquisição de hemoderivados para as pessoas com hemofilia. Esse ano queremos colocar um aparelho de doppler transcraniano em cada hemocentro”, revelou a gestora. Joice disse também que há uma previsão de que a Paraíba esteja no patamar de estados como Pernambuco, Maranhão e Minas Gerais, com uma prevalência em doença falciforme na ordem de 1/1400 nascidos vivos.

A secretária de Saúde do município de João Pessoa, Roseana Meira, foi representada pela secretária-adjunta Adriene Jacinto, que ressaltou o compromisso da PMJP na implantação do programa.

O vereador Ubiratan Pereira (PSB), também compareceu ao evento. Ele disse que vai acompanhar a implantação do programa, originado de um projeto de lei de sua autoria. “Estamos em estreita colaboração com a Associação”, disse Bira, que destacou ainda uma outra iniciativa de seu mandato relacionado a institucionalização do programa de combate ao racismo institucional no serviço público municipal.

Trocas

Em seguida iniciou-se a apresentação das experiências de programas já implantados. Maria Cândida Queiroz, gerente do Programa de Salvador, foi a primeira a expor. Ela revelou que uma de suas filhas foi a primeira criança diagnosticada depois de iniciada a triagem neonatal, na capital baiana, em 2000.

Cândida informou que o município possui hoje uma cobertura de 17.7% na saúde da família, embora as comunidades quilombolas urbanas tenham 100% de cobertura. Ela lembrou que, quando da implantação do programa soteropolitano, os profissionais não sabiam atender, e era comum o serviço de saúde orientar pessoas com o traço falciforme a não ter filhos. Segundo Cândida, havia uma ideia de submeter a população ao uma triagem compulsória. “Nesse período, só se sabia quem estava nascendo com a doença, e não se tinha noção do número de pessoas que já conviviam com doença falciforme”, comentou.

Joice conduziu reunião

Joice Aragão comentou que o Hemoba passa atualmente por situação difícil, com um quadro de insegurança transfusional preocupante. “De maneira geral, os serviços de atenção básica não sabem o que fazer com as pessoas com doença falciforme, e poderiam estar orientando essas pessoas em saúde bucal, orientação nutricional, autocuidados etc. Outro problema em Salvador é que não existem unidades de referência. O Rio de Janeiro teve demanda de clientes adultos aumentada em até 300%”, diz Joice.

Na seqüência, Miranete de Arruda Rufino apresentou aspectos do programa do Recife criado em 2001. A segunda fase do teste do pezinho começou a funcionar em abril de 2002. “Nessa época, a prefeitura começou a implantação de laboratórios de referência em hematologia”, lembra Arruda.

Ela relata que também nesse período a Prefeitura do Recife deu início a ações de combate ao racismo institucional. “O racismo era tão grande no meio dos agentes de saúde que os terreiros eram deliberadamente excluídos no trabalho de cadastramento dos PSFs”, lembra.

A política de saúde da população negra foi institucionalizada no Recife pela Portaria nº 1391, de agosto de 2005. É quando se começa a editar um perfil da desigualdade racial na saúde. Passou-se a realizar exames e coletas de sangue nos terreiros. Miranete ressalta que o programa recifense também percebeu a necessidade de realizar capacitações permanentes para as equipes de saúde. Os agravamentos osteoarticulares e lesões com feridas e úlceras de perna passaram a ser cuidados também na rede de atenção básica.

De lá para cá, a Secretaria de Saúde do Recife conseguiu construir uma série histórica da triagem neonatal nas maternidades municipais para a doença falciforme. Segundo Arruda, em Pernambuco o gestor estadual não atua como indutor municipal das políticas públicas para a doença falciforme, papel que acabou sendo incorporado pela Secretaria de Saúde da capital. Outra dificuldade detectada na experiência recifense diz respeito à alta rotatividade dos recursos humanos, que, depois de capacitados, acabam migrando para trabalhar em outras localidades. “O compromisso ético dos profissionais ainda deixa muito a desejar”, reclama Miranete. 

Miranete: ação nos terreiros recifenses

Ficou evidente na fala da representante recifense a forte interação com os movimentos sociais negros da cidade, especialmente com a Associação Pernambucana de Portadores de Anemias Hereditárias (APPAH). O Dia Nacional de Mobilização pela Saúde da população Negra, 27 de outubro, tem se tornado uma data estratégica utilizada pelo programa do Recife, em parceria os movimentos sociais da cidade.

Na discussão que se seguiu, a Dra. Joice comentou que o Recife tem um hemocentro de ponta, e que o município foi obrigado a encontrar suas próprias respostas para a atenção às pessoas com DF, tendo iniciado seu programa numa época em que sequer havia a Política Nacional para a área. Ela lamentou a desconexão com Estado.

Miranete Arruda fez questão ainda de realçar a boa articulação da SMS do Recife com municípios da Região Metropolitana, como Olinda, Cabo, Paulista e Igarassú. Ela disse que na atenção materno-infantil, a Prefeitura da Capital faz negociação dos leitos para parto com a rede estadual e privada. “Estamos agora ampliando coleta fora das maternidades. O retorno das mães e recém-nascidos se dá no prazo de 15 dias, durante revisão puerperal”, acrescentou. Joice Aragão lembrou que o ideal é que a coleta do teste do pezinho deve ser feita depois de 48 horas da primeira alimentação da criança, e impreterivelmente, na primeira semana de vida.

Álvaro: nos passos de DST/AIDS

A apresentação seguinte ficou a cargo de Álvaro Bezerra, que mostrou um pouco do que está acontecendo em doença falciforme na cidade de Fortaleza. Ele disse que há uma certa dificuldade em trabalhar a questão racial na cidade, dada a resistência da população em assumir suas heranças etnicorraciais. Bezerra informou que a partir de 2005 a Prefeitura de Fortaleza inicia ações mais planejadas para a Saúde da População Negra, tendo como parceria na Sociedade Civil a Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras. A implantação da segunda fase do teste do pezinho só ocorreu em junho de 2010. “Hoje temos cerca de 90 terreiros cadastrados. “Estamos usando as farinhadas, que são rodas de conversas desses espaços para divulgar ações com DST/AIDS e anemia falciforme”, relata o gestor cearense. Ele comentou também que há uma certa dificuldade em firmar convênios com os terreiros porque a maioria não possui CNPJ. Joice comentou que uma vantagem dos cearenses é presença de profissionais de ponta na área hematológica comprometidos em expandir o programa.

Ana Lucia: com vontade de acertar

Por fim, falou Ana Lucia Sousa Pinto, coordenadora do Programa de Saúde da População Negra em da SMS de João Pessoa. Ela mostrou um esboço do fluxo de atenção que deve ser implantado. Disse que a Prefeitura adquiriu recentemente acido fólico em gotas e que está preparada para atender as demandas dos outros medicamentos.

Segundo Ana, a linha de cuidados a ser implementada deve seguir a seguinte lógica: imunização>profilaxia>autocuidado>diagnóstico de familiares>atenção especializada em Assistência Médica. Ela disse que a capital paraibana possui hoje 83% de cobertura na atenção básica.

Em seguida foi aberto espaço para uma fala da representante da Secretaria estadual da Paraíba, Patrícia Melo, que comentou sobre a criação do Comitê de Técnico de Assessoramento para Saúde da População Negra. Ela informou que o estado possui hoje 163 postos de coleta para o teste do pezinho, mas falta capacitação do pessoal. “Vamos investir inicialmente na descentralização da homorrede, ampliando cuidado no interior do estado”, ressaltou.

Melo revelou que num universo de 39.033 amostras do teste do pezinho, coletadas desde março de 2010, o Lacen do Estado confirmou apenas seis bebês com resultado positivos para hemoglobina do tipo SS. Ela disse que está sendo estudada uma parceria com Hospital Universitário da UFPB para a capacitação em orientação genética de enfermeiras dos hemonúcleos. Segundo Patrícia, deverá ocorrer uma priorização de ações para as comunidades quilombolas paraibanas.

Doença falciforme no SUS

Dalmo: Fenafal presente

No momento final do evento discutiram-se ainda alguns pontos de dúvidas surgidos durante o dia. Joice Aragão voltou a fazer a defesa do SUS ao dizer que ,por conta do perfil sócio-econômico da maioria das pessoas acometidas pela doença falciforme, 90% dos pacientes dependem diretamente do Sistema Público.

Ela comentou que só o HemoRio atende hoje cerca de seis mil pessoas com a doença falciforme. Disse também que a UPA’s implantadas na cidade do Rio de Janeiro não possuem pediatras. Segundo Joice, o MS investiu em 2010 cerca de R$ 10 milhões apenas em capacitação para a doença falciforme. Ela reconheceu que há muita dificuldade em retirar os profissionais de saúde de suas rotinas para participarem de eventos de capacitação.

Joice voltou a mostrar as responsabilidades de estados e municípios nos níveis de atenção à saúde. Ela disse que a triagem genética da doença falciforme não pode ser compulsória, mas que os exames são um direito de toda a população. Silma Melo aproveitou para informar do Curso de Genética na Atenção Básica, que vai ocorrer em Recife nos dias 10 e 11 de maio.

Grupo qualificado discutiu com sereidade questões da atenção para a doença falciforme

No dia seguinte a equipe de Joice Aragão ainda realizou uma reunião com técnicos da SMS de João Pessoa e da SES. Patrícia Melo, da Secretaria estadual, informou que uma primeira estratégia para interiorização da atenção integral às pessoas com DF na Paraíba é a implantação de serviços de referência em hospitais da rede estadual em quatro macrorregiões.

Ela ressaltou a urgência da montagem desses serviços nos próximos meses, tendo em vista que o ano que vem será ano eleitoral novamente, o que pode comprometer o andamento dessa política pública. A capacitação para a triagem neonatal também deverá ser priorizada na rede do Estado.

No município, ficou acertado que a conclusão do acompanhamento do teste do pezinho poderá ser feito quando da primeira consulta puerperal. Ana Lúcia considerou o fato de que cerca de 55% dos partos realizados em João Pessoa são de mulheres vindas de cidades do interior do estado e da Região Metropolitana.

A Prefeitura da capital deverá iniciar em breve capacitações em orientação e informação genética para o atendimento de doadores e das famílias com crianças na fase do neonatal.

Joice se disse pessimista com qualquer tentativa de capacitação dos profissionais que atuam nas urgências e emergências. Segundo ela, uma estratégia que pode se mostrar mais viável é iniciar as capacitações pelos agentes de saúde da família, depois os médicos clínicos gerais e pediatras, obstetras e ginecologistas, odontólogos. “Pode-se juntar os demais profissionais não-médicos, como psicólogos, assistentes sociais etc, num mesmo momento de treinamento e capacitação”, defendeu.