Plenária da conferência regional em Campina Grande (foto: Luiz Zagra)
A criação de secretarias municipais e estadual visando ações e políticas públicas de reparação e de promoção da igualdade racial será uma das principais reivindicações do movimento social composto por entidades não-governamentais defensoras das causas de segmentos da população negra, indígena e cigana da Paraíba, na segunda edição da Conferência Estadual que ocorre nos próximos sábado e domingo (23 e 24/05), no Centro de Treinamento da Polícia Militar, no bairro de Mangabeira, em João Pessoa. Segundo os últimos dados do IBGE, 63,9% são pretos e pardos na Paraíba. O evento é uma promoção do Governo da Paraíba, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Humano, com apoio da Secretaria de Cidadania e Administração Penitenciária, e teve duas etapas regionais preparatórias em Campina Grande e João Pessoa, sendo essa última realizada sábado passado (16/05) no auditório central do Unipê. “Não tenhamos medo de expressar nossas diferenças. É preciso garantir um foco estratégico, na busca por uma sociedade justa e igualitária. Desenvolvimento humano passa pelo processo de organização da sociedade”, disse Gilcélia Figueiredo, na etapa regional de Campina Grande, que reuniu lideranças da Borborema, Cariri, Sertão e Curimataú. A titular da SDSH reconhece que o estado pouco avançou nas políticas públicas para as comunidades indígenas, quilombolas, ciganas e demais segmentos étnico-raciais. “Mas nós estamos dispostos a mudar essa realidade”, garante Figueiredo. A Conferência regional de Campina Grande reuniu ativistas de Picuí, Catolé do Rocha, Sumé, Pombal, Riacho de Santo Antônio e Puxinanã, além de observadores de João Pessoa e Conde. Outro que reconheceu publicamente a ausência de políticas públicas nessa área foi o assessor Josenilton Feitosa da SDSH. “Hoje não temos na Paraíba nem política de governos, nem política de Estado para a questão da igualdade racial”. Já o deputado Rodrigo Soares (PT), que acompanha a discussão afirma que o Estado e a sociedade possui uma dívida histórica com os cidadãos afro-paraibanos. O professor do NEABI (UEPB), José Benjamin propõe o resgate dos heróis negros locais. “Em Campina Grande, as ruas com nomes de países africanos estão, coincidentemente, em bairros deprimidos socialmente”, lembra. O núcleo coordenado por Benjamin, está promovendo curso de especialização, com foco em história e cultura da África. Nossos quilombos Segundo Francimar Fernandes de Sousa, da Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (AACADE), “o Estado nada fez pelo auto-reconhecimento dessas comunidades. Na verdade o poder público ignora essa luta”. Segundo a ativista, na Paraíba, os conflitos de terras quilombolas envolve usineiros, juízes e desembargadores. A Paraíba possui atualmente 28 territórios quilombolas reconhecidos pelo INCRA, dum total de 35 comunidades tradicionais organizadas. A regularização fundiária dos antigos quilombos foi preconizada pela Assembléia Constituinte de 1988. Até o ano passado o Governo Federal havia identificado 3.524 comunidades remanescentes de quilombos. Em 2007 foi criada a Agência Social Quilombola (ASQ), incumbida de prover a regulação fundiária, eletrificação, recuperação ambiental, desenvolvimento local, e ações em educação e saúde nesses territórios. O eixo Saúde Em relação às comunidades rurais indígenas e quilombolas, foram enfatizadas a dificuldade de transporte e acesso e a demanda por Programas de Saúde da Família, em acordo com as especificidades das comunidades. A idéia é fortalecer e garantir o Sistema Único de Saúde, SUS, e o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, promovendo, entre outras ações, aumento orçamentário e destinando recursos específicos para ações relativas às populações negras, indígenas, cigana e a outras etnias, com vistas a tornar os serviços públicos de saúde e assistência social efetivamente universais para toda a sociedade e fazer valer o princípio da eqüidade. “O mais urgente seria efetivar a política de atenção à saúde da população negra, no pacto de gestão, dando ênfase às mulheres negras, aos jovens institucionalizados e ao sistema penitenciário”, diz o jornalista Dalmo Oliveira, da Associação Paraibana de Portadores de Anemias Hereditárias (ASPPAH). “A nossa intenção é a de promover a progressiva redução das diferenças nas esperanças de vida dos grupos raciais da população na Paraíba”, ressalta. Outra demanda posta pelos movimentos sociais é promover a demarcação das terras dos povos indígenas e quilombolas como uma forma de sobrevivência de sua cultura e como meio de combater doenças de maior prevalência, com ocorrências por vezes associadas à ausência de políticas públicas específicas, a exemplo da doença falciforme. Outra sugestão surgida foi a de antecipar detecção da doença falciforme já na 1ª fase do teste do pezinho, nos estados com dificuldade de implantação da segunda fase. A implantação de programas especiais de atenção às pessoas com a doença falciforme também está sendo reivindicada pelas organizações que representam os portadores paraibanos. Reivindicam também centros de referência para atenção a casos de violência no SUS, com a inclusão das diferentes formas de violência vividas pela população negra, pelas lésbicas e mulheres que fazem sexo com mulheres, profissionais do sexo, pessoas portadoras de deficiência e necessidades especiais e mulheres em situação de aborto e abortamento incompleto. “Além medidas urgentes de enfrentamento ao racismo institucional em todos os programas e ações voltados para atenção aos agravos de saúde da população negra”, acrescenta Oliveira. “Outra medida que queremos garantir o mais rápido são as ações preventivas para acabar com a desnutrição infantil nas aldeias, quilombos, acampamentos e em áreas de comunidades carentes, assim como a distribuição regular da farmácia básica, com acesso rápido a medicamentos especiais nas comunidades indígenas e remanescentes dos quilombos”, comenta o historiador Waldeci Ferreira Chagas, do Fórum de Educadores Negros. A conferência do Litoral apontou ainda ações do poder público para a humanização para tratamento mental e a implantação de templos ecumênicos nas empresas e repartições do serviço público municipal e estadual. “Seria interessante a produção de campanhas especiais em saúde mental, usando cordel e outros meios alternativos”, propõe o psicólogo Hélio Pacheco. Representantes das religiões afro-brasileiras defendem o uso da mitologia africana e indígena para campanhas de saúde em casas das religiões de matriz africana. E capacitação para esse tipo de campanha. Para Antonio Novais, é preciso garantir a regionalização das campanhas de saúde. “As campanhas publicitárias nacionais não refletem as realidades regionais e locais”, lembra. PMJP não avança na questão racial Em 2005, ainda sobre a liderança de João Balula, foi realizado em João Pessoa o seminário O Negro e o Poder. “O resultado daquele seminário poderia ter sido melhor se, em vez de uma Assessoria da Diversidade Humana, tivéssemos avançado para a criação de um instrumento capaz de lidar com todas as políticas propostas no documento de políticas publicas para o povo negro entregue pelo Movimento Negro ao poder público municipal e ao prefeito Ricardo Coutinho naquele momento”, avalia Antônio Novaes, da ONG Irê. “Aquele ano, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Promoção de Igualdade Racial, esteve em João Pessoa para participar da 1ª Conferência Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e juntamente com o prefeito Ricardo Coutinho, com lideranças do movimento negro sugeriu ao referido gestor a implantação de políticas públicas para o povo negro da cidade de João Pessoa”, lembra o ativista. Para o movimento negro da Capital, uma Assessoria da Diversidade Humana sem poder de propor políticas públicas não atende aos anseios históricos da população afro-paraibana. “O programa Empreender-JP, criado na gestão de Ricardo Coutinho, não traz o recorte racial, não se têm programas de saúde específicas para a população negra; apesar de se ter elaborado as Diretrizes Municipais da Lei 10.639/03 (atual 11.645/08) e da sua aprovação pelo Conselho Municipal de Educação, ainda não se implantou com qualidade a referida Lei, pois as escolas não receberam material didático adequado”, comenta a pesquisadora Solange Rocha, da ONG Bamidele, que atua junto a mulheres negras na cidade Ela lembra que a prefeitura também não implantou o sistema de cotas que prevêem a contração de 20% para negros, concursados e comissionados previstos pelo Decreto Lei 4.228/02. “Não existe uma proposta de valorização da cultura dos povos negro e índio no nosso município”, reclamam ainda os ativistas que estão na organização da Conferência pelo controle social.