especial

Hemácia normal e falcemizada

Hemácia normal e falcemizada

ANEMIA FACIFORME: EVIDÊNCIA DA EVOLUÇÃO  DA ESPÉCIE HUMANA?

Por Dalmo Oliveira

Um mal que atinge 15% da população negra mundial pode ser uma peça importante de um antigo quebra-cabeças da comunidade científica mundial. A “peça” é a Anemia Falciforme e o quebra-cabeças dos pesquisadores é a teoria controversa e fascinante da evolução das espécies, cujo idealizador foi o naturalista inglês Charles Darwin.
A Anemia Falciforme tem origem desconhecida, mas provavelmente desenvolveu-se na África, há milhões de anos atrás. As evidências levam a crer que a doença surgiu como autodefesa do organismo humano para se proteger da malária, doença comum e muito séria nas regiões de clima quente. No jargão da Imunologia a falcemia, seria uma defesa auto-imune. Pelo prisma evolucionista a mutação genética do gene da hemoglobina é um dispositivo visível e comprovável da adaptação das espécies ao ambiente.
“No sistema imune de vários organismos vemos a maioria dos processos evolutivos da teoria de Darwin, mas em uma escala molecular. Os antígenos são reconhecidos pelos anticorpos ou receptores de células T, que sofrem um processo de eliminação (seleção negativa). Um paralelo à seleção natural são as variantes de antígenos que alteram seus epitopos, de modo a não serem mais reconhecidos pelo sistema imune podem se multiplicar. Deste modo parasitas (vírus, bactérias, etc.) escapam do sistema imune, porque são melhor adaptados em termos de possuírem antígenos que não são eliminados pela seleção natural (sistema imune)”. A comparação entre o sistema imune e a seleção natural é feita pelo geneticista Fabrício Santos, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Santos explica que este processo é cíclico, porque o sistema imune pode desenvolver novas moléculas capazes de reconhecer novos antígenos. “Isto se chama Teoria da Rainha de Copas ou ‘Alice no país das maravilhas’, pois cada um (antígeno, sistema imune) desenvolve novas características que são sempre acompanhadas pela outra parte envolvida. É como correr, correr, sem sair do lugar”, ilustra o especialista.

Falcemia

A Anemia Falciforme é uma doença genética e hereditária, causada por uma anomalia da hemoglobina dos glóbulos vermelhos do sangue. A hemoglobina é a responsável pela retirada do oxigênio dos pulmões, transportando-o para os tecidos. A falcemia faz com que os glóbulos vermelhos percam a forma discóide original, enrijecendo-os e dando-lhes um formato de “foice”, daí a denominação “falciforme”.
A forma comum da Anemia Falciforme (Hbss) acontece quando uma criança herda um gene da hemoglobina falciforme da mãe e outro do pai. É necessário que cada um dos pais tenha pelo menos um gene falciforme, o que significa que cada um é portador de um gene da hemoglobina falciforme e um gene da hemoglobina normal.
Quando duas pessoas portadoras do traço falciforme resolvem ter filhos, é importante que saibam que para cada gestação há a possibilidade, na razão de um para quatro, de que a criança tenha doença falciforme. Esse mesmo casal poderá gerar até 50% de sua prole transmitindo-lhe o traço da falcemia. As chances de gerarem crianças com hemoglobina normal é de um em quatro.
“Originalmente, o sistema imune foi associado a uma função de defesa do organismo. Mas uma outra função, igualmente importante e pouco abordada, é o papel que exerce na homeostasia (equilíbrio) do organismo. Nesta sua atividade, pode ser um sistema extremamente interligado aos sistemas endócrino e nervoso”, diz a especialista em Imunologia Vivian Rumjanek, da Universidade Federal de do Rio de Janeiro.

Adaptação da espécie humana

A hipótese é de que o sistema imunológico tenha agido como gatilho do processo de evolução, à medida em que possibilitou a adaptação da raça humana a uma situação ambiental exterior desfavorável, em que a malária representava uma séria ameaça à sobrevivência da espécie.
No Brasil estima-se que em cada grupo de 100 pessoas 3 sejam portadoras do traço de Anemia Falciforme. Um em cada 500 negros brasileiros nasce com uma forma da doença.
“A Anemia Falciforme é uma anemia hemolítica severa, com índice alto de mortalidade e é hereditária, com padrão de herança autossômica recessiva. Em Cuba é freqüente a forma homozigótica de SS e o SC, como também é freqüente no país e, na Cidade de Havana, de portadores saudáveis (heterozigóticos AS e AC), que são aproximadamente respectivamente 3 e 0,7%”, relata o especialista Marcos Raúl Martín Ruiz, especialista em Genética Clínica, do Centro Nacional de Genética Médica de Cuba.
Martín Ruiz diz que a enfermidade não tem tratamento específico, e que o tratamento usual se concentra em resolver as manifestações clínicas e educar o paciente e seus parentes na prevenção de episódios de crise e complicações. “A Anemia Falciforme também é conhecida com o nome de siclemia, ou sicklemia que é um anglicismo, mas esta denominação só é equivalente ao homozigótico de tipo SS. Outras denominações são: anemia por hemácias falciformes, anemia de células falciformes, drepanocitosis, anemia drepanocítica, falcemia e hemoglobinopatias SS e SC, em referência específica para ambas as formas genéticas” detalha o pesquisador cubano.
Embora haja uma maior incidência na raça negra, os brancos, particularmente os que são provenientes do mediterrâneo (Grécia, Itália, etc.) Oriente médio, Índia, também desenvolveram a mutação no gene da hemoglobina e apresentam a doença.

Reprodução humana

“A Anemia Falciforme não deve ser confundida com o traço falciforme. Possuir o traço falciforme significa que a pessoa é apenas portadora da doença, o que possibilita uma vida social normal. Como a condição de portador do traço falciforme é um estado benigno, muitas pessoas não estão cientes de que o possuem”, informa o site da Associação dos Amigos e Portadores de Hemoglobinopatias (Amiph).
Como a questão reprodutiva está no cerne do processo evolucionista, a Anemia Falciforme, apesar de ter sido a vacina genética que o sistema imune desenvolveu para dar combate à malária, transformou-se na atualidade num importante problema de saúde publica, nos países onde o número de portadores é expressivo, como no Brasil. “Diante deste quadro é possível deduzir que a miscigenação racial existente no Brasil está gerando a continuidade desta anemia, conforme ratifica a literatura cientifica brasileira” opina a associação, que tem sede em Franca (SP).
Talvez não seja exatamente a miscigenação racial a grande responsável pelo alastramento do problema no país, mas a falta de uma cultura médica a respeito da falcemia. No sistema público de saúde não se vê qualquer campanha de esclarecimento para a população. No interior do país ainda é possível encontrar profissionais de saúde que desconhecem o problema ou tem pouquíssima informação a esse respeito.
Como a doença ataca mais severamente as crianças ainda no primeiro ano de vida, é bastante comum o caso de óbitos sem que a causa real tenha sido detectada. “Geralmente é durante a segunda metade do primeiro ano de vida de uma criança que aparecem os primeiros sintomas da doença. Exceção é feita nos casos onde o exame de sangue – específico para detecção da doença – foi realizado já no nascimento ou no berçário. Até atingir a idade escolar é comum a doença se manifestar”, avisa a Amiph.
Cuba tem seu “Programa de Prevenção de Anemia Falciforme” que atende casais com alto risco de ter filhos afetados com as formas SS ou SC. O sistema de saúde da Ilha realiza o diagnóstico pré-natal, ajudando os casais a decidir sobre a continuação da gravidez, se o feto estiver afetado. “A coleta de amostra de sangue para o diagnóstico pré-natal se realiza geralmente até a semana 22 de gestação” diz Raul. A detecção prévia de casais com alto risco se faz mediante exame de hemoglobinas anormais em gestantes e do estudo do cônjuge naquelas que tiveram resultados positivos.

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Crianças até quatro anos são mais

vulneráveis à anemia falciforme*

Por Dalmo Oliveira**

Doppler transcraniano pode salvar vidas

Doppler transcraniano pode salvar vidas

No final de junho assisti uma palestra sobre anemia falciforme que me deixou arrepiado. Não só pelo fato de ser portador do mal, mas pelo dano que esse problema de saúde pública causa especialmente entre as crianças pequenas da nossa população afro-descendente. O médico, o Dr. Rodolfo Delfini Cançado, é uma das maiores autoridades brasileiras do assunto e atua como professor adjunto na disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e é assessor técnico para hemoglobinopatias do Ministério da Saúde do Brasil. Cançado falava para uma platéia mais que especial: 30 representantes de ong’s de portadores de AF.

O especialista falou por quase duas horas e mostrou pesquisas importantes sobre o problema que atinge a produção das hemácias sanguíneas. Ele apresentou, por exemplo, um estudo que analisou o registro de óbito pelo Sistema Informações de Mortalidade do SUS no período de 1979 a 1995, em que os pesquisadores descobriram que 25% dos óbitos ocorreu em crianças com menos de quatro anos. Desse grupo, 50% chegaram ao óbito até a idade de 15 anos. Os médicos descobriram que a média de idade ao óbito foi de 18,6 anos naquele período. Considerando a real possibilidade do sub-registro, avaliou-se uma média de 140 óbitos/ano causados por complicações decorrentes da AF.

Noutra pesquisa mais recente, Loureiro & Rozenfeld (2005) publicaram na Revista de Saúde Publica dados sobre internações hospitalares entre os anos de 2000 e 2002, quando 9.349 pacientes foram internados por causa da doença falciforme. A mediana de idade desses pacientes era de 12 anos. O estudo notou que 70% das internações ocorreram com pacientes com menos de 20 anos. Pacientes com idade entre 26,5 a 30 anos foram os que mais evoluíram ao óbito. “A taxa de óbito entre adultos com mais de 20 anos foi cinco vezes maior do que entre crianças e adolescentes”, comenta Cançado.

Ano passado o pesquisador Kirkham F.Nat publicou um estudo onde mostra que a incidência de acidentes vasculares cerebrais (AVCs) em crianças com a doença falciforme varia de 8 a 10 % naquelas na faixa em torno do cinco anos. O risco relativo da ocorrência de AVC em doentes falciformes pode ser até 300 vezes maior em relação aos indivíduos sem a doença. A pesquisa diz que 11% terão AVC até 15 anos de idade. de 17% a 22% será do tipo “silencioso”. As crianças apresentam um índice perto dos 80% de sofrerem AVC isquêmico, e entre os adultos, 20% dos doentes sofrerão derrame cerebral hemorrágico. Os médicos perceberam ainda que a recorrência de novo AVC pode ocorrer em 2/3 dos pacientes não tratados, a maioria no prazo de 2 a 3 anos do evento inicial.

O médico hematologista chega a duas conclusões preocupantes a partir dos dados das pesquisas: a primeira é de que o cuidado com as crianças abaixo dos quatro anos deve ser redobrado, e a segunda é que, na fase adulta há uma tendência maior de que as internações de pacientes com a doença falciforme evolua para óbitos.

Políticas públicas

Medição do baço é importante para evitar sequestro esplênico (foto: Rodolfo Cançado)

Medição do baço é importante para evitar sequestro esplênico (foto: Rodolfo Cançado)

Rodolfo Cançado abordou ainda questões relacionadas às políticas públicas específicas para a questão da anemia falciforme. Ele lembro que em 92 uma Portaria do Ministério da Saúde instituía a obrigatoriedade dos exames de detecção de fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito na chamada “Fase I” do teste do pezinho. “Em 2001, mediante a Portaria no 822/01 do Ministério da Saúde, foi criado o Programa Nacional de Triagem Neonatal, incluindo a triagem para as hemoglobinopatias, quando passou a ser incluído o exame para anemia falciforme”, lembra. O especialista diz que apenas 13 estados brasileiros implementaram essa segunda faze do teste do pezinho onde se detecta a doença falciforme. A Paraíba, por exemplo, ainda não faz parte desse grupo.

Cançado considera que a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias representou passo importante no reconhecimento da relevância dessas doenças como problema de Saúde Pública no Brasil. “Ela marca o início da mudança da história natural da doença, corrigindo antigas distorções e trazendo vários benefícios, sobretudo a restauração de um dos princípios fundamentais da ética médica, a igualdade, garantindo acesso igual aos testes de triagem a todos os recém-nascidos brasileiros, independentemente da origem geográfica, étnica e classe sócio-econômica”, avalia o médico paulista.

13 milhões de crianças triadas nos últimos cinco anos

Nos últimos cinco anos, depois que o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Triagem Neo-natal, cerca de 13 milhões de crianças já foram beneficiadas. Foi a partir daí que o Brasil pode ter uma idéia melhor da gravidade da doença falciforme na sua população. Descobriu-se, por exemplo, que o nascimento anual de pessoas que carregam apenas o traço falciforme é de 200 mil. Na população geral a incidência de pessoas com esse traço genético varia ente 2 a 8%. “Mas, entre os cidadãos afro-descendentes ela aumenta para uma taxa de 6 a 10 por cento”, informa Rodolfo Cançado. Há uma expectativa de que o Brasil possua hoje cerca de 7.200.000 indivíduos com herança genética do traço falciforme.

Com relação às pessoas com a doença falciforme completa (aquelas que nasceram com os dois genes SS que formam a hemoglobina) os números também são preocupantes. Os casos estimados estão numa faixa de 25.000 a 30.000 indivíduos. Eu sou um desses. “São cerca de três mil casos novos por ano no país, com uma estimativa aproximada de um caso para cada 1000 nascidos vivos”, revela o pesquisador.

Rodolfo diz que a maioria dos óbitos ocorreu nos dois primeiros anos vida, demonstrando o risco maior nesta idade e uma maior necessidade da organização da atenção aos eventos agudos ocorridos principalmente nesta faixa etária. “A maioria dos óbitos ocorreram em ambiente hospitalar,mas ainda é alta a ocorrência de óbitos domiciliares. A infecção foi a principal causa de óbito, mas o sequestro esplênico se destaca como importante evento determinante de mortalidade”, comenta o hematólogo.

“Mesmo após a implantação de um eficiente programa de triagem neonatal, muitos óbitos poderiam ser evitados pela educação e melhoria da qualidade da assistência à saúde . A capacitação dos profissionais da saúde, envolvidos diretamente na atenção básica, para o atendimento aos eventos agudos da doença falciforme e os programas de educação voltados para o paciente e familiares são eixos importantes para o desenvolvimento do programa”, defende.

Esperança nas novas drogas e tratamentos

O quadro devastador da doença falciforme começa a ser debelado com a adoção de novos medicamentos, como a Hidroxiuréia, que ajuda na diminuição da morbidade, diminuindo também a mortalidade dos pacientes, segundo pesquisa realizada em 2003. Os autores garantem que a medicação em pacientes falcêmicos garante a redução dos episódios de Síndrome Torácica Aguda (STA), a redução dos eventos de obstrução dos vasos sanguíneos (vasoclusão, na linguagem médica). A pesquisa diz que a adoção da Hidroxiuréia proporciona uma redução de 40% da mortalidade nos portadores do defeito genético.

Alguns estudos clínicos dizem que há uma tendência crescente do número de pacientes com a doença falciforme candidatos à transfusão regular de hemácias. A repetição das transfusões provoca uma sobrecarga de ferro, comprometendo o funcionamento de vários órgãos. “Isso é um fator prognóstico desfavorável e, portanto, porcentagem significativa dos pacientes tem indicação de tratamento ferroquelante. O processo de quelação de ferro por medicamentos reduz tanto a morbidade quanto a mortalidade em pacientes com o problema”, diz o professor Rodolfo Cançado.

Ele recomenda que os portadores da doença falciforme façam uso de medicamentos e de vacinas, como Ácido Fólico, analgésicos, Hidroxiuréia, quelantes de Ferro, Penicilina (oral ou benzatina) e de Eritromicina, sempre verificando a possibilidade de alergia a esse medicamento. Por fim, o médico recomenda que os portadores do mal sanguíneo busquem sempre especialistas de saúde, que atuem principalmente nas áreas de oftalmologia, pneumologia, neurologia, endocrinologia, cardiologia, nefrologia, ginecologia/obstetrícia, ortopedia, hemoterapia. As pessoas com a doença falciforme também precisarão de especialistas para medidas de suporte, a exemplo do assistente social, enfermeiro, odontólogo, psicólogo e fisioterapeuta.

As diretrizes recomendadas para a Política Nacional de atenção ao doente falciforme é que aja o seguimento das pessoas diagnosticadas com hemoglobinopatias pela Hemorrede Pública do SUS, bem como o acompanhamento das pessoas com diagnóstico tardio de doença falciforme. “É preciso garantir a integralidade da atenção aos acometidos por esse mal, proporcionando o atendimento por equipes multidisciplinares, estabelecendo interfaces entre as áreas da saúde da família, saúde da mulher, saúde bucal, imunizações etc”, diz Cançado.

O médico defende uma melhor organização da rede de assistência , respeitando-se a descentralização e levando em consideração a autonomia dos gestores públicos quanto a sua estrutura de organização da atenção.

“Capacitação de recursos humanos, com a criação de centros de referência de capacitação e informação, como o mineiro CEHMOB, ligado à UFMG, ou como o carioca CR Saúde Bucal, para dinamizar a atenção básica à população afetada pelas hemoglobinopatias”, prescreve Dr. Rodolfo.

Ele aposta também na promoção e no incentivo à pesquisa, na realização de eventos científicos; na produção de material didático para capacitação de trabalhadores do SUS e para informação da população. Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco são os estados de maior prevalência e os locais onde oficialmente há um programa ou uma ação pública funcionando.

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* Artigo produzido a partir de dados apresentados pelo Dr. Rodolfo Delfini Cançado em palestra do curso Gesc Net/Norvatis, em São Paulo, dia 20/06/2008.

**Dalmo Oliveira, jornalista, mestre em Comunicação pela UFPE.

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Oficina sobre doença falciforme traz especialistas à Paraíba
por DALMO OLIVEIRA

Num evento inédito na Paraíba, cerca de 140 profissionais de saúde de todo estado participaram nos dias 6 e 7 de julho, na capital, João Pessoa, da Oficina sobre Doença Falciforme, numa realização do Ministério da Saúde em parceria com o Hemocentro da Paraíba, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (NUPAD).
Médicos, enfermeiros, psicólogos, fisiterapeutas, gestores e técnicos de diversas áreas de saúde puderam entrar em contato com experiências de ponta diretamente relacionadas com a doença falciforme, através de palestras proferidas por pesquisadores oriundos de estados onde o tratamento desta hemoglobinopatia está mais avançado, especialmente Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
“Com a realização deste evento, a Paraíba entra definitivamente no circuito nacional de discussão em rede sobre a doença falciforme. Nossas espectativas são as melhores possíveis, no sentido que, a partir de agora, a comunidade médica local, vinculada ao sistemas públicos de saúde do estado, abra os olhos para a doença falciforme, que ainda se encontra tão invisibilizada na rede de saúde paraibana”, disse Dalmo Oliveira, coordenador-geral da Associação Paraibana dos Portadores de Anemias Hereditárias (ASPPAH).
A ONG coordenada por Oliveira participou ativamente da Oficina com quatro representantes convidados especialmente pelos organizadores. “Vocês não imaginam o que é chegar num hospital com dores e ficar esperando horas pelo atendimento, tomando um soro numa cadeira, esquecido como se fosse mais um objeto da mobília”, disse Zuma Nunes, outro coordenador da associação presente ao evento.
Segundo os organizadores, a Oficina atraiu um público acima do esperado, o que obrigou o Hemocentro a negar pedidos de inscrição depois que o número de convidados e profissionais interessados ultrapassou 140. “Isso ocorreu porque há uma demanda reprimida sobre este assunto aqui na Paraíba emostra que nós precisamos realizar mais eventos sobre a doença falciforme posteriormente”, disse Patrícia, diretora geral do Hemocentro, que ficou surpresa com a procura acima da expectativa da organização.
Durante os dois dias os participantes assistiram palestras sobre diversas nuances do tratamento multidisciplinar que a doença falciforme exige na atualidade. A programação tratou de questões como o uso de medicamentos estratégicos, como a hidroxiuréia e os quelantes de ferro. Abordou ainda aspectos da pesquisa avançada na área de biologia molecular para as análises laboratoriais que indentificaram diversos tipos de mutação genética da hemoglobina.
A importância da  hematopediatria e o programa de triagem neonatal também foram assuntos fartamente discutidos pelo público e palestrantes. Outro assunto que chamou a atenção dos profissionais presentes à Oficina foi a questão da abordagem da dores causadas pela doença falciforme durante as crises que ela provoca. Padrão de atendimento emergencial e o autocuidado fizeram parte ainda do programa, assim como questões relacionadas à saúde bucal e a fisioterapia para os portadores da hemoglobinopatia. O evento ainda abordou aspectos do controle social e da organização de pessoas com DF na Paraíba e no Brasil. Veja a seguir o resumo das palestras.
Sandra Sibele Figueiredo, hematologista do Hemocentro da Paraíba e do Hospital Universitário da Universidade Federal de Campina Grande, fez uma abordagem geral da doença falciforme. Começou por explicar os diferentes tipos de hemoglobinas dentro da chamada “cadeia globínica”. Apresentou o conceito da doença, entendida como uma “hemoglobinopatia hereditária autossômica, caracterizada por substituição de um aminoácido (ác. glutâmico→valina) na cadeia beta da globina resultando em HbS”.

Foto: Fabiana Veloso

Ela fez um histórico sobre a pesquisa da DF, a começar pela descoberta que James Herrick, fez em 1910. Também abordou aspectos da epidemiologia da doença, afirmando que a anemia falciforme é considerada a doença hematológica hereditária mais comum da humanidade, sendo mais comum em países africanos, especialmente na região do chamado “Cinturão da Malária”. Em países como Benin, Nigéria e República Centro-Africana, cerac de 45% da população possue o gene βS. Segundo Sandra, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que nasçam 2500 crianças portadoras de doença falciforme por ano no Brasil. Ela diz que a hemoglobina S pode estar presente em 2 a 6% da população brasileira e em 6 a 12% da população afrodescendentes no país.

Em seguida a médica falou da patogênese da DF e sua atuação no gene estrutural da globina Beta. Mostrou ainda as possibilidades genéticas de transmissão da anemia falciforme por pais portadores do traço. Ela abordou ainda o processo de polimerização das hemácias quando da desoxigenação da hemoglobina S no organismo, quando ocorre a substituição de aminoácidos.
Sandra explicou que, nesses casos, a sobrevivência dos heritrócitos é encurtada para até três dias, o que provoca uma anemia hemolítica crônica. A crise falcêmica provoca microinfartos, o que ocasiona dores nos tecidos isquêmicos e disfunções nos órgãos isquêmicos, assim como também auto-infarto do baço.
No sistema linfo-hematopoético, a doença falciforme provoca anemia, asplenia, seqüestro esplênico agudo e, raramente, esplenomegalia crônica. Na pele, provoca palidez, icterícia e úlceras de perna. Do ponto de vista osteo-articular, a doença manifesta a chamada “Síndrome mão-pé”, dores osteoarticulares, osteomielite, necrose asséptica da cabeça do fêmur, compressão vertebral e gnatopatia.
Segundo a especialista, no aparelho ocular, a DF pode ocasionar retinopatia prliferativa, glaucoma e hemorragia retiniana ou vítrea. No Sistema Nervoso Central pode desencadear acidente isquêmico transitório, infarto e hemorragia cerebral. Na região cardiopulmonar, a doença falciforme pode levar à cardiomegalia, insulficiência cardíaca, infarto pulmonar e pneumonia.
Do ponto de vista urogenital, a médica explicou que a DF causa priapismo, hipostenúria, proteinúria e até insulficiência renal crônica. Nas regiões gastrointestinal e abdominal o portador pode registrar crises de dor abdominal, cálculos biliares, icterícia obstrutiva e hepatopatia. “De modo geral, a doença pode ocasionar ainda hipodesenvolvimento somático, retardo da maturação sexual e maior suscetibilidade a infecções”, revela a médica.
Silma Alves de Melo, geneticista e técnica da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, do Ministério da Saúde, fez a palestra seguinte, detalhando o caminho percorrido nos últimos anos para implementação de políticas públicas direcionadas aos portadores da hemoglobinopatia.   Ela fez um rápido histórico dos avanços institucionais, dizendo que já fazem mais de 35 anos de reivindicação do movimento de homens e mulheres negras, o que ocasionou atualmente inúmeras leis estaduais e municipais, mas, infelizmente, nenhuma lei federal.
Em 1985 foram iniciadas as ações propositivas do movimento de homens e mulheres negras. É nesse mesmo ano que surgem as primeiras associações de pessoas com doença falciforme. Dez anos, depois, em 1995, ocorre a lendária, Marcha Zumbi dos Palmares. No ano seguinte, um grupo temático composto pelo Ministério da Saúde elabora o Programa de Anemia Falciforme (PAF), o marco inaugural na padronização dos procedimentos de atenção à sáude das pessoas com DF.
Em março de 1998 o estado de Minas Gerais sai na frente no pioneirismo da triagem neonatal da doença falciforme. Em 2000 é a vez do Rio de Janeiro iniciar a triagem da HbS. No ano de 2001 acontece a criação da FENAFAL e a implantação de programas especiais em Recife e no Rio de Janeiro. Em
03 de setembro de 2009 o Ministério da Saúde cria a Portaria Nº 2.048, que institui no âmbito do SUS as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, cujo objetivo principal é promover uma mudança na história natural da Doença Falciforme no Brasil, reduzindo a taxa de morbimortalidade, promovendo longevidade com qualidade de vida às pessoas com essa doença, orientando àquelas com traço falciforme e informando a população em geral.
Silma lembrou que em agosto de 2006 a Portaria nº 1.852, cria o Grupo de Assessoramento Técnico em Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, com o objetivo de realizar estudos e protocolos para o embasamento das decisões dos trabalhos da Câmara de Assessoramento Técnico à Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados.
A especialista diz que as estratégias desenvolvidas pelo
ministério da saúde são: i)Sensibilização por meio da realização de Eventos,
Fóruns, Seminários, Simpósios, Encontros, Oficinas, etc; ii) Assessoria técnica  permanente a todos os Estados para organização da rede de assistência e criação de programas estaduais e municipais de Doença Falciforme; iii) Inclusão da Doença Falciforme na Atenção Primária.
Hoje existem programas municipais em Salvador, Camaçari e Lauro de Freitas (BA),  Uberlândia (MG), Recife e Olinda (PE) e em  São Paulo (SP). São as seguintes a unidades da Federação com programas estaduais: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul, Amapá e Piauí. Além disso as seguintes universidades públicas possuem ações especiais para doença falciforme: UFMG, UFRJ, UFES, UFPI, UFGO, UFBA, UFAL, UNESP e UFMT, além da FIOCRUZ.
Silma falou ainda sobre a cooperação técnica em doença falciforme com países da África, através da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores, tendo como marco inicial o documento assinado no Encontro de Ministros da Saúde dos Países de Língua Portuguesa, em Cabo Verde, no dia 12 de abril de 2008, envolvendo Angola, Senegal, Gana e Benin.
Ela diz que as metas do Ministério da Saúde para os próximos anos são a implantação da triagem neonatal nos 27 estados brasileiros; Cadastro nacional de pessoas com doença falciforme; Aprimoramento de coleta dos dados de morbidade, mortalidade e letalidade em doença falciforme; Definição dos indicadores para avaliação e controle da Política Nacional da Doença Falciforme.
O Ministério da Saúde pretende ainda promover capacitação de 50.000 trabalhadores do SUS; Organização da rede de assistência para educação em saúde em doença falciforme; Inclusão de novos procedimentos e medicamentos na Tabela Unificada/SUS.

Foto: Fabiana Veloso

O hematologista Aderson Araújo (Hemope) fez a palestra seguinte, enfocando o uso de hidroxiuréia e de medicamentos para quelação de ferro em pacientes com doença falciforme. ele disse que a hidroxiuréia (hu) tem se configurado num excelente auxiliar nos tratamentos dos portadores dessa hemoglobinopatia, provocando sensíveis melhoras nos níveis totais da hemoglobina no organismo, especialmente a hemoglobina fetal.

O remédio atua diretamente no processo de polimerização das hemoglobinas S em condições de hipóxia. Ele lembrou que as manifestações clínicas podem se tornar mais brandas à medida que houver interação da hemoglobina fetal (Hbf) com com as mutações de hemoglobina árabe-indiano. Nas pessoas com a doença falciforme, a hemoglobina fetal pode apresentar uma variação que vai de 0,1 a 30%, sendo que a média fica em tornos dos 8%. “Qualquer aumento da Hbf é benéfico para o paciente”, diz Araújo.

Ele disse que a hbf tem efeito protetor contra osteonecrose, síndrome toráxica aguda (STA) e nas crises álgicas. Estudos realizados em 1999 demonstraram que o tratamento com hidroxiuréia podem favorecer na medula óssea a redução da celularidade, com o aumento proporcional de eritoblastos durante a produção de hemoglobina fetal.

No sangue, o aumento da hbf provoca macrocitose, melhora a hidratação, diminuindo o afoiçamento da hemoglobina, a presença de reticulócitos e de granulócitos. nos vasos sanguíneos, o medicamento provoca redução da aderência e melhoria da função endotelial.

Segundo Aderson, as indicações de uso do remédio são para os pacientes com crises frequentes de dores com mais de três epsódios anuais, assim como para aqueles com histórico de sta e outras manifestações vasoclusivas graves. “nos trabalhos iniciais foi observado que o haplótipo banto parecia ser fator de pouca resposta ao tratamento com hu. dada a elevada incidência de pacientes com este haplótipo, resolvemos analisar a resposta ao tratamento com hu em 30 pacientes. Utilizando-se as doses propostas, observamos discreta melhora dos níveis de hemoglobina com diferença estatística na hbf já com 30 semanas de tratamento”, ressalta Aderson.

O uso de hu, segundo o especialista, pode ser creditado na redução 40% na mortalidade de pessoas com a doença falciforme, mas numa pesquisa de 2005, pesquisadores avaliaram que a hu não é efetiva em todos os pacientes. O estudo mostrou que a síndrome toráxica aguda permanece como maior causa de óbito (35%), sendo que as pessoas portadoras dos haplótipos car e cam têm maiores risco de complicações e pior prognóstico.

O mesmo estudo mostrou que os pacientes que morreram mesmo passando pelo tratamento com hu foram os pacientes mais idosos, com doença mais grave e com maior dano a órgãos. Os baixos níveis de hb, antes do tratamento, foram apontados como indicador de baixa resposta ao tratamento com hu. “as alternativas para pacientes nesta situação são início de hu mais precoce, altas doses de hu e terapias combinadas”, comenta o hematologista pernambucano.

O médico lembra que a doença falciforme é uma doença letal e que a morbimortalidade dos pacientes está intimamente associada à progressão da vasculopatia, sendo que a alta taxa de mortalidade decorre também de eventos vasoclusivos freqüentes. “mesmo pacientes com um quadro moderado raramente escapam dessa complicação. de qualquer forma, indivíduos com manifestações graves a partir da quarta década de vida estão no grupo que se beneficia dos efeitos da hidroxiuréia”, revela o médico.

Aderson Araújo falou ainda sobre os problemas da sobrecarga de ferro transfusional, comum em pessoas com talassaemia, anemia diseritropoieitca congênita, doença falciforme, anemia sideroblástica e outras hemoglobinopatias. segundo o especialista, as transfusões sanguíneas resultam em sobrecarga de ferro no organismo quando os indivíduos recebem mais de duas unidades por mês, ou 24 por ano. “significa que em quatro anos um paciente pode acumular até 20 g ferro, tendo recebido nesse período cerca de 100 unidades de bolsas de sangue por transfusão, quando o estoque corporal de ferro normal fica entre 3 e 4 gramas”, diz o doutor Araújo.

Ele mostrou estudo realizado em 2001 pelo multicêntrico americano, demonstrando que 60% dos pacientes com a doença falciforme teriam recebido transfusão em algum momento de sua vida. Deve-se considerar que, com o aumento na sobrevida, há também um aumento nas indicações transfusionais, entretanto a sobrecarga de ferro corporal é um grande determinante da morbidade na doença falciforme.

As transfusões são recomendadas quando, de maneira episódica, quando o paciente se encontra na fase aguda do avc. Ou quando ocorre alguma síndrome aguda de falência de múltiplos órgãos. Recomenda-se também durante os episódios de síndrome torácica aguda grave. Nos casos de priapismo agudo e de anestesia geral prolongada, e ainda nos eventos agudos anêmicos, como os sequestros, parvoviroses,etc.

“Mas quando ocorre de forma crônica avc recorrente, doppler transcraniano anormal, teste neuropsicológico anormal e rnm anormal, síndrome torácica recorrente, hipertensão pulmonar ou doença pulmonar crônica, crises recorrentes de sequestro esplênico em crianças menores de três anos e insuficiência cardíaca, a transfusão é indicada”, diz o médico.

Ele considera controversa a indicação de transfusão nos seguintes casos: úlceras de pernas, gestação, retardo de crescimento grave, doença renal, complicações oftalmológicas graves, problemas relacionados à qualidade de vida e injeção de contraste média.

Segundo o médico, as complicações da sobrecarga de ferro no organismo podem ser aumento na geração de radicais livres, falência cardíaca, cirrose hepática, diabetes mellitus, baixa fertilidade e retardo do crescimento.

Para a terapia quelante na doença falciforme um dos medicamentos mais utilizados é a desferroxamina (dfo), cujo uso deve iniciar quando volume transfundido for maior ou igual a 120ml por quilo de peso, ou quando houver concentração ferro hepático acima de 7 mg por grama de peso seco. quando o paciente não tiver biópsia disponível e níveis elevados persistentemente de ferritina no estado basal, o uso da medicação quelante também deve ser prescrita.

Aderson ressalta, entretanto que o tratamento com dfo é de difícil adesão devido a necessidade de infusão sub-cultânea , com 1/3 dos pacientes com edema e dor no local de aplicação. pesquisas também já revelaram que as crianças que se submetem a esse tipo de tratamento podem ter distúrbio do sono e problemas escolares. “poucos trabalhos abordam efeitos tóxicos do ferro na doença falciforme e parece que é diferente do que ocorre na talassemia”, diz o médico.

Além das reações locais no local da punção, outros efeitos adversos são: toxicidade ocular, que em pessoas com DF querer cuidado com vasculopatia associada; perda auditiva em altas freqüências; retardo de crescimento e alterações ósseas e ainda deficiência de zinco, associada com déficit de crescimento, mais comum em pessoas com DF.

Outro quelante bastante usado é a deferiprona, único quelante oral que é aprovado para uso clínico em muitos países. “estudo retrospectivo que avaliou dfo e deferiprona comparativamente demonstrou resultados favoráveis ao uso do deferiprona, no tocante à função cardíaca”, diz ele.

Mas o medicamento também apresenta algumas reações adversas, como sintomas gastrointestinais; artropatias; elevação transitória das enzimas hepáticas; deficiência de zinco; fibrose hepática; neutropenia e agranulocitos.

O deferasirox é o quelante oral de ferro lançado mais recentemente. em forma de tablete dissolvido em água, é ingerido em dose única diária e altamente específico para ferro, sendo excretado principalmente pelas fezes.

Foto: Fabiana Veloso

A palestra seguinte, sob o título “importância da hematopediatria na anemia falciforme”, foi apresentada por Joacilda Nunes, professora titular do departamento de pediatria e genética da UFPB. “por quê inserir uma doença em uma triagem populacional?”, perguntou inicialmente. Ela lembrou que as manifestações clínicas começam por volta dos seis meses de idade, mas que antes das manifestações, a criança tem que ter diagnóstico e mapeamento da família, quando deve ser realizado aconselhamento genético.

Nunes diz que é necessário garantir às crianças atenção por equipe multidisciplinar e acolhimento da família pelos profissionais de saúde, que repassem as informações sobre a doença. ela citou, por exemplo, o amparo de benefício assistencial (b87) do INSS.

Segundo a médica, os cuidados principais com as crianças com a doença falciforme estão baseados no tripé saúde bucal, autocuidado e educação. ela ressalta que a doença falciforme interfere diretamente no crescimento da criança. “problemas como priapismo afetam muito a autoestima dos meninos”, diz.

A palestra seguinte foi feita pela Dra. Claudia Bonini, do laboratório de hemoglobinas e genética das doenças hematológicas, da universidade estadual paulistas (UNESP), em São José do Rio Preto. Ela começou explicando que as hemoglobinopatias, como a que causa anemia falciforme, são consideradas doenças moleculares, causadas por uma mutação herdada, que altera as proteínas que compõem os genes.

Foto: Fabiana Veloso

A especialista mostrou a evolução das pesquisas nessas área, dizendo que em 1945, Linus Pauling, definiu a anemia falciforme como uma doença da molécula da hemoglobina, instaurando o conceito de “doença molecular”. No ano seguinte, Harvey Itano, apresentou a técnica de eletrofose em fronteiras movediças, demonstrando que uma pequena mudança de carga em uma proteína podia significar a diferença entre a vida e a morte.

Cecília Izidoro (UFRJ) foi a palestrante seguinte com o tema “abordagem da dor na doença falciforme”. ela diz que “só a neurociencia explica funcionamento da dor. ninguém responde á dor de maneira igual”. Segundo a enfermeira, reações singulares dificultam avaliação da dor. “Nós decidimos o nível de dor do outro. a perspectiva lógica atrapalha quem lida com dor”.

Ela se referiu a um estudo que mostrou, através de ressonância magnética, que várias áreas do cérebro são ativadas durante crise falciforme. Mas a especialista tocou em questões mais subjetivas, como a dimensão racial na doença falciforme, uma vez que se trata de uma patologia que ocorre de forma prevalente na população afrodescendente. “É preciso ver o contexto social na dor da pessoa com doença falciforme”, defende.

Foto: Fabiana Veloso

Cecília faou ainda do conceito de “Dor total”, ao afirmar que somente a dimensão física não explica as manifestações dolorosas. “Não dá pra ficar só no protocolo. É preciso adaptar e moldar os procedimentos de acordo com aquilo que cada paciente está sentindo”, ensina.

Ela considera que sofrimento é diferente de sentir dor e pede para os profissionais de saúde imaginarem o que o paciente deixa de fazer quando está com dor. Para Izidoro, é preciso ainda desmistificar os procedimentos da automedicação. “Não devemos taxar os doentes porque preferem esse ou aquele analgésico e é preciso considerar que quando a pessoa chega ao hospital com dores por causa da doença falciforme ela já tinha se automedicado em casa antes. Não podemos começar a analgesia do zero e devemos perguntar sempre o que ela vinha tomando antes de decidir procurar socorro hospitalar ou ambulatorial”, comenta.

Ela lembrou que o frio funciona como fator desencadeante das crises dolorosas na doença falciforme . “Devemos respeitar a antena interna que as pessoas com doença falciforme têm que avisa antecipadamente quando vai começar a ficar frio”, diz Cecília. Nas mulheres, ela destacou que os cuidados devem ser redobrados no período menstrual. “É preciso conhecer o doente e acreditar nele. “Em dor deve-se começar sempre do zero, quando se trata da doença falciforme”, defende.

A especialista carioca diz ainda que é preciso reforçar a disciplina de farmacologia na formação universitária dos cursos de saúde. Ela também é favorável se agregar terapias alternativas como adjuvantes nos tratamentos padrões de tratamento das dores. Cecília diz que o pessoal da enfermagem deve escrever nos relatórios exatamente o que a pessoa com dor falar em relação à dor que está sentindo. “Se ela disser que está com um aperreio da peste, você deve escrever exatamente isso. Não se preocupe com a beleza do relato, porque, quanto mais detalhes, melhor será para o médico na hora de decidir sobre qual o tratamento mais adequado para aquele quadro de dor”.

Ela destacou, finalmente, que na atualidade os pacientes possuem, cada vez mais, uma gama maior de informações sobre a doença falciforme, o que pode colocar em xeque determinados procedimentos dos profissionais na hora do atendimento.

12 Responses to especial

  1. Alba Cleide diz:

    Ola Dalmo! Fiz uma visita rápida! desde ja parabens… Depois irei acessar, calmamente, e apreciar as demais contribuições do seu blog para a questão etnico-racial. abraços

  2. Alécia F. A. Simões diz:

    Olá, Dalmo.
    Sou fisioterapeuta Preceptora de obstetrícia e pediatria no HR de Sousa; tenho detectado um grande número de crianças portadores de AF e estou orientando um trabalho monográfico sobre a melhora da qualidade de vida dessas crianças através dos exercícios fisioterápicos. Gostaria tb de montar um grupo de apoio aos pais. Na associação há fisioterapeutas que desenvolvam um trabalho semelhante, com quem eu pudesse trocar idéias? Também gostaria de saber se vc dispõe de estatísticas de portadores aqui na Paraíba. Também percebi que algumas cr apesar de terem feito o teste do pezinho, só descobriu a patologia aos aos 4 anos por exemplo.
    Atensiosamente.
    Alécia Simões.

  3. Tenho boas notícias para os portadores de Anemia Falciforme. Vejam: http://www.profdrnorbertopinto.com, http://www.medicinatradicional-comple.com e www. conscienciacosmica-saude.com.
    Aguardo respostas, Dr. Norberto Pinto.

  4. vanusa diz:

    meu irmão é falcemia, está com 24 anos e não se ciuda do jeito correto, é rebelde, quando criança conseguimos fazer o tratamento e tinha poucas crises, diferente agora, pois as crise estão mais frequentes, não sabemos mais o que fazer e os médicos da região não parece entender bem que o que ele sente é dor muita dor.

  5. sandra gomes floriano diz:

    meu filho e portador da falcemia descobri agora o que devo fazer ele só tem 4 anos

  6. Maria Nilza Campos Sikva diz:

    Gostaria de saber se todas essa informações a respeito da anemia falciforme, tambem serve para quem e portador da talassemia.

  7. Natalia Marcelino diz:

    Gostaria de saber, se o casal que tem o gene da anemia falciforme, tem tratamento para quando tiverem filhos, não desenvolva a anemia?

  8. cristiane sousa oliveira diz:

    me chamo cristiane,sou de minas gerais meu filho tem anemia falciforme,sinceramente quando leio sobre o assunto nao sei se desisto de viver ou me agarro nas novas descobertas para uma qualidade de vida melhor pra quem tem a doença,mesmo assim e de extrema importancia estas informaçaoes obrigada.

  9. maria diz:

    ola boa noite
    eu e o meu marido somos portadores de hemoglobina s saudaveis, temos 25% de probabilidades de ter filhos c anemia falciforme.alguem como nos teve filhos saudaveis??
    obrigado maria

  10. ester diz:

    minha filha tem traços de anemia falciforme quais os cuidados que devo ter, ela tem um ano e 8 meses

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