Mas também, se me perguntarem daqui a dez anos se eu sei onde vou estar, a resposta seria igualmente “não”.
Procuro viver intensamente cada dia.
Tem dias que eu acordo assim, o simples trabalho de varrer a minha casa demanda muito esforço. Acordo cansadíssima, e cada pequeno esforço é uma luta. Que eu travo arduamente, sem reclamar. Porque tem dias que eu também acordo cheia de disposição pronta para fazer muitas coisas.
As vezes me entristeço de pensar que talvez não possa mais trabalhar como fazia, com rotina de escritório, sair de casa e tudo mais.
Construi uma bonita carreira e trabalhei muito desde os 18 anos. Por conta da falciforme e de todas as sequelas das inúmeras crises fiquei muito doente e debilitada. Hoje é assim, tem dias ótimos, tem dias nem tanto, tem dias péssimos.
Por isso que vou vivendo um dia por vez.
Me esforço para manter um trabalho de divulgação da anemia falciforme, mesmo que seja somente na internet, onde tenho espaço e posso dividir o pouquíssimo que sei.
Leio, pesquiso, posto na comunidade do orkut, converso com as pessoas, portadores, mães, pais, cuidadores.
Tento conhecer outras histórias, sabendo que cada um vive e enfrenta a falciforme de uma maneira.
Somos todos muito diferentes apesar de sermos todos muito parecidos. Reagimos de maneiras diversas, enfrentamos os desafios com garra.
Não dá pra negar que muitas vezes nos cansamos de lutar, de travar essa batalha contra a dor, contra o amarelo dos olhos, contra o preconceito, contra tudo.
Eu mesma passo por isso tantas vezes.
Muitas vezes me pergunto porque a falciforme é tão pouco divulgada, tão pouco debatida. Porque as pessoas não falam sobre ela?
Porque não existem campanhas sérias de esclarecimento?
Pra essa pergunta não existe uma resposta padrão, não tem um ponto estratégico que explique o porque disso. A verdade é que algumas vezes acho que somos invisíveis, e algumas vezes acho que existe tanta dor e tanta doença, que a falciforme é só mais uma, que precisa de apoio, de esclarecimento.
Não é fácil viver como um paciente crônico. Saber que você vai passar a vida entre hospitais, laboratórios, consultórios. Vai passar o tempo todo procurando tratamentos,testando remédios, escutando estatísticas.
Não é fácil conviver com a dor, com o medo estampado nos olhos de quem a gente ama, com a angústia da espera, com a esperança de cura.
É inevitável se encantar por tratamentos alternativos, se iludir com cada novo programa de estudo que se inicia.
É natural. É saudável. É dolorido.
Os episódios de depressão vem e vão, e temos que aprender a lidar com eles. Imagino as mães e pais, os maridos e esposas, os filhos de quem vive assim, um dia por vez. Imagino a esperança, a sofreguidão, a luta.
Não podemos desistir. Porque a vida é assim mesmo, cheia de escolhas e cheia de lutas, sejam elas acertadas ou inglórias, e precisamos lidar com isso, todo dia, todo santo dia.
Precisamos lembrar de agradecer a esses “anjos” de carne e osso, que dispõem de toda sua energia e de todo seu amor por nós, que enxugam as nossas lágrimas, acalmam as nossas dores, nos alegram nas horas mais difíceis.
Eles são os nossos maiores presentes, os nossos amores, nosso alicerce nessa grande roda da vida.
Pros meus anjos, sejam eles de carne e osso ou não, aqueles que eu vejo diariamente ou os que me velam sem que eu os perceba, o meu sincero amor, o meu mais precioso obrigado.
Eu não seria ninguém sem vocês.