Em apenas dois dias a pauta da doença falciforme foi debatida nas duas principais casas legislativas da capital João Pessoa. Na terça-feira, 27, por intermédio do deputado Rodrigo Soares (PT), a Assembléia Legislativa realizou uma sessão especial para discutir a saúde da população negra na Paraíba, tendo a DF, como um dos pontos principais. Na quarta-feira, 28, foi vez da Câmara de Vereadores da cidade, por iniciativa dos parlamentares Bira e Sandra Marrocos (ambos do PSB), promover uma outra sessão especial sobre a mesma temática, a partir de uma solicitação da ASPPAH. No evento da Assembléia, Rodrigo Soares destacou a formação de uma frente parlamentar pela igualdade racial. Ele disse que iria propor uma reunião com representantes da Secretaria de Saúde do estado, visando os encaminhamentos relativos à implantação da segunda fase do teste do pezinho e do Programa de Atenção Integral às Pessoas com DF. A sessão contou também com a presença da médica pediatra e geneticista Joacilda Nunes (UFPB/Hemocentro). “Só com a implantação da triagem poderemos ter condições de mudar a história natural da doença falciforme”, comentou. Ela fez referência ao 5º Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, do qual participou no início de outubro em Belo Horizonte (MG), onde pode interagir com especialistas de vários países onde a DF também é um grave problema se saúde pública. Joacilda provocou momento mais emocionante da sessão ao exibir imagens e sons de uma criança de nove anos sendo atendido no HU em plena crise falcêmica. “As dores são muito intensas, por isso ele grita tanto”, disse a médica se referindo à gravação que mostrava para a platéia. Para Mãe Renilda, conselheira de Saúde do município, o que falta mesmo é respeito ao ser humano. “O racismo é a maior doença. Precisamos fazer o enfrentamento cotidiano à pobreza”, disse a yalorixá. Já o jornalista Dalmo Oliveira, coordenador-geral da ASPPAH, lembrou o papel que a entidade exerce no controle social nos serviços públicos de saúde. “Nos últimos dois anos nós temos avançado no entendimento com as equipes técnicas das duas secretarias de saúde, em João Pessoa e no Estado. Mas não hesitaremos em acionar o Ministério Público e outras instâncias para garantir os direitos dos cidadãos com doença falciforme na Paraíba”, disse o ativista, informando que há poucos dias ocorrera mais um óbito na capital em decorrência da DF, vitimando um adolescente que residia no Conjunto Geisel. Oliveira ressaltou sua atuação junto à Diretoria de Comunicação Social da Federação Nacional de Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), que está colaborando com o Ministério da Saúde para realizar uma ampla campanha de mídia sobre DF, a partir do ano que vem, quando se comemoram os 100 anos do primeiro diagnóstico da doença no mundo. Panfletagem – Depois do final da sessão na AL, dirigentes da ASPPAH protocolaram um ofício encaminhado ao presidente da Casa, deputado Arthur Cunha Lima, onde solicitam a propositura e aprovação de um Projeto de Lei para implantação do Programa Estadual de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, a exemplo do que já ocorre em vários outros estados brasileiros, com base na Portaria GM/MS nº 2.048, de 03 de setembro de 2009. Em seguida, juntamente com diversos militantes do movimento negro local, como a Rede de Saúde nos Terreiros, a Pastoral do Negro, Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra e o Fórum Paraibano de Entidades Pela Igualdade Racial, foi realizada uma panfletagem na Lagoa do Parque Solon de Lucena, onde se distribuiu panfletos cujo tema central foi “Racismo faz mal à saúde”. Na quarta, a partir das 15 horas, um outro evento na Câmara Municipal mobilizou novamente ativistas ligados à problemática da saúde da população negra. Para Cláudia Veras, representante da Secretaria de Saúde da PMJP, é preciso garantir políticas públicas para grupos sociais com maior vulnerabilidade e que a promoção da equidade é uma conquista do amadurecimento da sociedade civil organizada e das gestões públicas que se abrem ao diálogo com os representantes do controle social. “É preciso que se invista também numa política de educação permanente para os profissionais da rede de saúde pública, porque há um rodízio constante. Estamos empenhados ainda na efetivação de protocolos clínicos para o atendimento de ocorrências nas áreas de neurologia e reumatologia e deveremos finalizar um específico para a doença falciforme”, disse a gestora. O vereador Jorge Camilo (PT), que acompanhou a sessão do plenário, fez uma fala alertando que no último exercício a PMJP devolveu cerca de R$ 40 milhões ao Ministério da Saúde por falta de projetos. “Não podemos nos dar ao luxo de abrir mão desses recursos, enquanto a população sofre com a baixa qualidade dos serviços da rede pública municipal”, disse o petista. Outro que uso da fala foi o pedagogo Zuma Nunes, coordenador de comunicação da ASPPAH. Ele reiterou que é urgente a capacitação dos profissionais de saúde. “A gente chega nos hospitais e tem que dizer aos médicos e enfermeiros quais são os procedimentos para quem está com crises de dor. O desconhecimento da anemia falciforme é generalizado”, diz Nunes, que costuma recorrer ao Trauminha de Mangabeira, quando entra em crise por conta da DF. Ele alertou também para a problemática das pessoas com DF nas escolas, onde os professores de educação física não conhecem a doença, provocando o esvaziamento e a repetência de crianças e jovens com DF. “Defendemos que haja uma parceria com as secretarias de Saúde e Educação para o acompanhamento em domicílio de alunos com anemia falciforme”, diz. Outra fala importante foi da enfermeira Maria Assunção, que trabalha na maternidade Cândida Vargas. “É preciso amarrar mais as coisas e dar respostas mais rápidas. Há alguns dias tivemos que lidar com uma mulher com anemia falciforme na enfermaria de alto risco. O teste do pezinho e o diagnóstico precoce são indispensáveis para melhorar a qualidade do atendimento”, disse a especialista, que lembrou ainda a Portaria criada ano passado, por solicitação da ASPPAH, que torna compulsória a notificação de atendimentos de pessoas com DF na rede do município de João Pessoa. Além das falas importantes na sessão especial, o evento serviu ainda como espaço de definição dos próximos passos para o avanço dos cuidados especiais na rede pública da Capital para pessoas com DF. “O vereador Bira está finalizando um projeto de lei que cria o programa especial no âmbito do município de João Pessoa. O carro-chefe será a doença falciforme, mas pode servir de parâmetros para outros problemas da saúde da população negra”, comenta Dalmo Oliveira. “Estamos convidando gestores de programas implantados em Pernambuco e Bahia para falarem de suas experiências exitosas nesta área. O vereador também se mostrou interessado em conhecer de perto os modelos de atendimento em cidades como Olinda, Recife, Salvador e Camaçari, onde sabemos, existem serviços de ótima qualidade para o atendimento das pessoas com doença falciforme”, acrescenta Zuma Nunes.